terça-feira, 12 de fevereiro de 2008


- Aonde você disse que vai??

Marie fechou a mala que tentava arrumar e cruzou os braços, parecendo irritada. Olhei para a expressão abismada dela e não pude deixar de rir, o que talvez não tenha sido uma boa idéia. Havia acabado de contar que ia a Saint Tropez por 3 dias a mando de Laport. Puxei-a para um abraço, mas ela continuou de braços cruzados.

- O que foi? Por que esse bico?
- Não me agrada a idéia de você ir a Saint Tropez sozinho – respondeu com a voz abafada no meu ombro – Você sabe por quê!
- Meu amor, e você sabe que não tem com o que se preocupar, não é? – Respondi rindo – E também não vou sozinho. Cecile e Pierre vão comigo
- Promete que não vai aprontar nada?
- Se está perguntando se vou procurar a Terri, a resposta é não. Mas se encontrá-la por acaso, sabe que não vou virar a cara e fingir que não vi, não é?
- É, sei... E não gosto de saber isso!
- Terri e eu agora somos só amigos. Quando me envolvi com ela, foi pra tentar te esquecer. Esquecer que você nem me dava moral. Agora não preciso mais disso, é você que eu amo. Não tem mais nada que ligue a Terri a mim, juro.

Marie deu um meio sorriso e sabia que ela havia entendido e não causaria problemas. Ela me ajudou a terminar de arrumar a mala e naquela mesma noite peguei estrada para Saint Tropez com Cecile e Pierre. A viagem podia ser a trabalho, mas não deixaria de ser divertida.

ººº

Dois dias de ‘trabalho árduo’ já haviam se passado e era de comum acordo que merecíamos algumas horas de folga. Deixamos os jalecos no hotel e voltamos ao calçadão da praia de bermuda, camiseta, chinelo e óculos escuros. Paramos no primeiro quiosque que encontramos vazio e não percebemos a hora passar. O sol começava a se pôr quando Cecile decidiu voltar ao hotel e teve o apoio de Pierre. Decidi ficar mais um pouco e eles se despediram, atravessando a rua.

Desde que o estágio havia começado, momentos calmos como esse eram raros. Na verdade, eram inexistentes. Quando não estava de plantão, preferia dormir e descansar para as próximas horas de ralação. Estava sentado olhando para a rua, distraído, quando vi uma figura conhecida passar. Era Terri. Não resisti à tentação e lhe chamei. Ela se virou espantada por ouvir minha voz e veio sorrindo na minha direção.

- O que está fazendo aqui, garoto? – disse me abraçando e sentando-se à mesa
- Trabalho. Me formei, finalmente, e consegui um estágio no hospital
- Que ótimo! Tinha certeza que conseguiria o estágio, estava se preocupando a toa. Mas não sabia que existia um hospital bruxo aqui em Saint Tropez
- Não tem, estamos aqui fazendo um curso básico de procedimentos trouxas com um amigo bruxo do nosso supervisor – tomei outro gole do suco e ri – É que houve um incidente lá no hospital e ele achou melhor que soubéssemos o que estávamos fazendo caso isso voltasse a se repetir. Mas e você? O que tem feito?
- A faculdade está tomando mais do meu tempo do que tinha previsto – respondeu parecendo exausta – Chego em casa e só tenho tempo de tomar banho antes de desmaiar. Consegui um estágio em uma TV local, mas quando me formar estou pensando em me mudar pra Paris. Aqui não tenho como crescer!
- Quando for para Paris, pode me procurar. Não conheço ninguém nessa área de cinema, mas ao menos conheço a cidade
- Não mora mais em Marselha?
- Não, estou dividindo um apartamento em Paris com Bernard e Dominique. Todo mundo conseguiu um estagio bom depois da formatura, estão todos morando na cidade. Manu e Viera se casaram semana passada.
- Embora sejam novos, imaginava que fossem casar logo. E você e a Marie? Se entenderam, finalmente?
- É, estamos juntos desde o fim de junho. Depois que Michel morreu resolvemos acabar com os joguinhos e nos acertamos de vez
- Não acreditei quando você me escreveu contando dele. Mas ao menos o culpado foi preso
- Sim, e vai apodrecer na prisão – sempre que lembrava isso, minha voz ainda saia cheia de ódio - Qual o problema, Terri? Você parece aflita...

Percebi que ela estava estranha, um pouco tensa, e não respondeu. Ficou me encarando muito séria e inconscientemente me vi usando legilimência para saber o que se passava. Levantei da mesa derrubando os copos e ela me olhou assustada. Minha expressão de alegria por estar revendo-a se evaporou em questão de segundos e fechei a cara, dividido entre o choque e a revolta.

- Como pode?? Por que não me contou?? – mesmo sem ver, sabia que estava vermelho de raiva
- Você não tinha o direito de ler meus pensamentos! – ela ficou de pé muito nervosa também
- Você está querendo falar de direitos comigo? - abaixei a voz quando algumas pessoas olharam – Eu tinha o direito de saber que estava grávida!

Sentei outra vez na cadeira ao ouvir o que eu mesmo tinha dito. Terri ficou grávida de um filho meu e não me contou. E pior, deu a criança para adoção depois do parto! Minhas mãos tremiam, não conseguia sequer segurar um copo sem que fosse deixá-lo cair e quebrar. Ela sentou outra vez tentando parecer calma, mas não obteve muito sucesso. Fiquei mudo por um longo tempo até conseguir me controlar e encarei-a outra vez.

- Você não tinha esse direito – falei com a voz controlada, mas cheia de raiva – Onde ela está?
- Não sei. Ela nasceu há cinco meses, bebês recém-nascidos são adotados rápido, é improvável que ainda esteja no orfanato
- Por que fez isso, Terri? Por que não me contou?
- Ian, pelo amor de Deus, o que você teria feito? – ela começou a chorar, mas não sentia um pingo de dó. Só me fazia ter mais raiva – Você ainda estava na escola quando descobri, ia largar seus estudos? Como poderíamos sustentar uma criança?
- Não cabia a você decidir isso sozinha. Não sei como faria, mas com certeza dá-la para adoção não seria uma opção! Você pode me achar inconseqüente, idiota e o que for, mas eu nunca fugiria de uma responsabilidade como essa! Você não sabe nada sobre mim! – gritei as últimas palavras e abaixei a voz outra vez - Foi por isso que terminou comigo por carta? Que nem ao menos foi me encontrar? Porque sua barriga já estava aparecendo? Não acredito que já tinha tudo planejado! Se não nos encontrássemos hoje por acaso eu nunca saberia que tinha uma filha?
- Se dependesse de mim, não! – ela secou as lágrimas e fechou a cara – Sua vida está melhor sem essa responsabilidade. Pode me xingar, me odiar, fazer o que quiser, mas um dia vai me agradecer pelo que fiz!
- Como pode pensar que vou lhe agradecer por isso? Você é louca, pensei que conhecesse você, mas vejo que estava errado! – levantei outra vez da mesa perdendo a calma – Em que orfanato você a deixou?
- O que vai fazer?
- AONDE VOCÊ A LARGOU?
- No orfanato Sainte-Eulalie, aqui em St. Tropez – larguei o dinheiro do meu suco na mesa e virei de costas. Ela segurou meu braço - Aonde você vai?
- Fazer o que você deveria estar fazendo!
- Você só pode estar brincando! Ian, você mal está dando conta do seu estágio, como pretende cuidar de um bebê? Não sabe nem cuidar de si mesmo!
- Como vou fazer isso não é da sua conta, mas não vou viver sabendo que tenho uma filha que não sabe da minha existência! – puxei o braço da mão dela com violência – E se um dia se arrepender, se um dia o remorso consumir você, ouse se aproximar dela e verá do que sou capaz!

Atravessei a rua sem nem olhar os carros que passavam buzinando com os motoristas berrando e desapareci dentro da primeira galeria que vi na minha frente. Procurei um banco vazio e sentei nele, sentindo minhas pernas começarem a perder força. Precisava falar com alguém, e naquele momento, tudo que queria era minha mãe.

Someone told me long ago
There's a calm before the storm
I know, it's been comin' for some time
When it's over, so they say
It'll rain a sunny day
I know, shinin' down like water

Rod Stewart - Have You Ever Seen The Rain?