domingo, 11 de janeiro de 2009


* Julho de 1999 *

Hospital St. Napoleon


- O que acha que estão falando? – Pierre encostou no balcão ao meu lado, indicando uma das salas da emergência ocupada pelos nossos supervisores
- O que eu não sei, mas sem duvida estão falando da gente – respondi pegando uma ficha da caixa e fitando a janela de vidro. Laport nos encarou e fechou a cortina.
- Merlin, hoje isso aqui está um inferno! – Cecile voltou ao balcão depois de atender um paciente e tinha o jaleco sujo. Olhamos para ela e rimos – O que foi? O homem vomitou em mim, não deu tempo de limpar ainda.
- Scourgify – disse apontando a varinha para o jaleco dela e ele voltou ao normal.
- Obrigada – Cecile sorriu e olhou para a cortina fechada – Então? Já descobriram o quanto estamos ferrados?
- Como assim? – Pierre me olhou alarmado e depois para ela – Eles estão só nos avaliando, não?
- Claro, mas essas avaliações podem definir nosso futuro aqui – Cecile falava com uma calma invejável – Se formos mal nessa avaliação, podemos nunca chegar a sermos Curandeiros.

Olhamos pra cortina ainda mais apreensivos e a porta se abriu de repente. Saltamos assustados, mas nem deu tempo de disfarçar e correr para atender algum paciente. Os curandeiros saíram da sala e Laport parou no balcão, pegando três fichas da caixa.

- Vocês não têm nada de útil para fazer? – disse entregando uma ficha pra cada um – Então vão cuidar desses pacientes e me apresentem em 15 minutos.

Cecile e Pierre saíram depressa para atender os pacientes e olhei rápido para minha ficha, era um paciente com catapora de dragão. Laport pegou mais algumas e saiu em direção ao elevador. Corri atrás dele e o alcancei.

- Seu caso é nesse andar, Ian – disse quando segurei a porta do elevador e entrei.
- Estavam nos avaliando? – perguntei logo, mas ele não respondeu. Continuei assim mesmo – Olhe, se estiver indo mal nas rondas, me avise, por favor. Nada vai me fazer desistir de ser um Curandeiro, então se tiver algo que precise melhorar, gostaria de saber.
- Você é um ótimo estagiário, Ian – Laport falou sério – Ainda tem muito a aperfeiçoar, como os outros também têm, mas esse aperfeiçoamento vem com o tempo. Fico feliz em saber que nada faria você desistir de ser um Curandeiro. Agora vá atender seu paciente, antes que mude minha avaliação.
- É pra já, chefe - bati continência e ele riu, saindo do elevador de volta ao segundo andar
- Ian? - ele segurou a porta antes que ela fechasse e olhei para trás – Se quer alguma coisa com que se preocupar, fique de olho no Dubois. Ouvi dizer que está querendo a presidência do hospital e para ele, você é uma pedra no caminho até ela.
- Como? – perguntei espantado
- Apenas fique de olhos abertos – ele apertou o botão do elevador e a porta começou a se fechar – E você não ouviu isso de mim.

A porta do elevador fechou e fiquei encarando a porta dourada sem reação. Sabia que vovô tinha a intenção de deixar a presidência do hospital para mim, mas ainda não estava preparado para assumir essa responsabilidade. Mas por outro lado, sabia que se Dubois chegasse até ela, eu estava fora do páreo para sempre. Talvez até fora do St. Napoleon.

*******

Abri a porta do apartamento e Samuel entrou com uma garrafa de vinho na mão, me abraçando e quase me derrubando, empurrando a garrafa pra mim. Anne entrou atrás dele e me abraçou também, mas como uma pessoa normal. Fiz uma reverencia indicando o centro da sala e eles entraram, se juntando aos outros e já fazendo a bagunça habitual. Estava comemorando meu aniversário de 19 anos e reunia os amigos mais próximos em casa. E quando digo amigos mais próximos, quero dizer que tinham aproximadamente 50 pessoas na casa. Gabriela estava na casa dos meus pais aquela noite, por insistência da minha mãe, que ficou receosa de deixar ela no meio de 50 bruxos festeiros.

- E ai, Ian? – Viera jogou o braço no meu ombro, a outra mão ocupada com uma taça de vinho – Conta pra gente como é a vida de pai?
- É Ian, fala ai como está se virando cuidando de um bebê – Rubens falou rindo – Apostei com Dominique que ia pedir socorro a sua mãe em uma semana!
- Eu pedi socorro sim, é claro – respondi entrando na brincadeira – Mas demorei mais que uma semana. Só pedi ajuda quando não agüentava mais não dormir. Mas tenho bastante ajuda por aqui. Dominique e Bernard estão se saindo tios de primeira linha, sem contar a ajuda da Marie e da Mad, que estão sempre por aqui.
- Claro que estamos sempre aqui – Marie me abraçou e me beijou, rindo – Eles tomam conta da Gabriela e nós tomamos conta deles. A casa fica parecendo um campo de concentração, é um horror.
- Eles ainda não estão aptos a trocar ma fralda ou fazer uma mamadeira sem explodir a cozinha e gastar 2 metros de lenço... – Mad entrou na conversa e os outros riram.
- Mas é tão... Nojento! – Dominique fez uma careta e rimos
- Ah, não é tão ruim assim – Bernard entrou na roda abraçado a Bel – Eu gosto de cuidar dela. E é um meio de treinar, pra quando tiver os meus... – e lançou um olhar a Bel, que corou na hora quando começamos a assobiar.
- Não tem musica nessa festa não? – Isa veio atraída pelos assobios – Se não dançar, vou começar a ficar tonta!
- Apoiada! – Manu saiu do abraço de Viera e correu até o som, colocando uma das Esquisitonas – Vamos dançar, minha gente!

Manu voltou à roda e puxou Viera pela camisa, que foi atrás dela sem largar a taça. Puxei Marie pela mão e me juntei a eles, e logo todos já estavam ocupando a área vazia da sala, transformando ela em pista de dança. No dia seguinte não tinha plantão e aproveitei esse presente involuntário do hospital para curtir meus amigos, como há muito tempo não fazia. Considerava aquela a fase mais feliz da minha vida, até o momento. A festa rolou até quase de manha e quando Viera saiu por último, fechando a porta, capotei no sofá. Marie encheu mais duas taças de vinho e deitou por cima de mim, beijando meu pescoço.

- Por que parou? – falei desapontado quando ela interrompeu a sessão de beijos e deitou a cabeça no meu peito – Estava tão bom...
- Se quiser mais, vai ter que fazer alguma coisa também – respondeu me provocando e ri.
- Fazia tempo que não ficava até essa hora numa festa – comentei cansado, olhando a bagunça espalhada pela sala – Se não fossemos bruxos, íamos levar dias pra restaurar a ordem na casa. Mas foi bom.
- Foi ótimo, estava com saudades do pessoal. Adorei rever o Samuel, Sávio, Dora e Isa, fazia tempo que não os via.
- E foi bom também ver que o casamento do Rubens com a Nicole está bem. Tinha minhas dúvidas, mas que bom que estava errado.
- Falando em casamento... – Marie riu – Acho que Bernard vai nos surpreender em breve. Viu a indireta que ele jogou pra cima da Bel?
- Se ele casar com a Bel logo, Gabriela vai ter seu próprio quarto – ri também – Mas em compensação, Dominique vai ser o único a me ajudar 24 horas por dia. Coitada da minha filha...
- Se Bernard se casar logo, posso ficar aqui mais tempo ajudando. Dominique não dá conta sozinho, e não quero que a primeira palavra dela seja “gatinha”. – Marie falou fazendo careta
- Gosto quando você fala assim dela, tomando decisões – me ajeitei no sofá para conseguir olhar direito para ela – Faz parecer que ela é sua filha.
- Bom, eu já me sinto meio que mãe da Gabi – Marie sorriu um pouco sem graça – Passo tanto tempo com ela que é como se ela fosse minha filha.
- Casa comigo? – falei de repente e ela arregalou os olhos
- O que? – sentou-se direito no sofá, me olhando assustada.
- Casa comigo? – repeti, agora certo do que estava dizendo – Eu te amo, e você sabe o quanto. Você já se sente mãe da Gabriela, só falta a gente se casar.
- Desculpa, mas é que foi meio inesperado – ela gaguejou um pouco.
- Mas não tanto assim, você sabia que mais dia menos dia eu ia pedir. Então? Aceita se casar comigo?
- Sim – Marie sorriu e me abraçou, me dando um longo beijo em seguida – Claro que eu caso com você. Eu também te amo.

Estava certo. Aquela era mesmo a fase mais feliz da minha vida.