sexta-feira, 21 de setembro de 2007


Quem foi que disse que ser curandeiro era o trabalho mais gratificante do mundo? Essa pessoa só poderia estar sob o efeito de cogumelos alucinógenos para fazer tal afirmação! Não, não é o trabalho mais gratificante do mundo. Ensinar crianças a arrotar ou uma freira a falar palavrão talvez seja. Ser curandeiro é... Cansativo! Sim, é somente essa a palavra que posso usar para resumir meus dias como estagiário no St. Napoleon.

Se não fosse por Sophie, que já é interna aqui e está quase se formando como Curandeira, teria desistido e me juntado a algum grupo de teatro no fim do 1º dia, logo depois que um homem chegou carregado por três pessoas e tinha erupções por todo o corpo. Além de ter vomitado no meu pé, fui o encarregado de limpar aquelas coisas. Ele ficou internado no 3º andar, onde cuidamos de ferimentos como esses e envenenamentos. Mas graças a Merlin meu primeiro mês foi designado a trabalhar no térreo, onde mexemos com acidentes com artefatos mágicos como explosões de caldeirões, problemas com varinhas, queda de vassouras e essas coisas. Um setor bem mais calmo...

O Curandeiro para quem tinha que fazer relatórios diários e apresentar todos os casos que pegava se chamava Inácio Laport. Ele era legal. Muito brincalhão, mas rígido quando eu e mais quatro estagiários tínhamos que apresentar os casos a ele. Tinha também o vice-diretor, responsável por todos os setores do St. Napoleon, Jacque Dubois. Ele andava pelos setores fiscalizando o trabalho de todos e vinha sempre com um cão de guarda, o inútil e puxa saco do Pascal Dechamps, que se julga importante por ser o braço direito do Dubois. E depois da primeira semana descobri que os Curandeiros e estagiários do St. Napoleon eram animados e muito unidos. Mesmo com o clima sempre tenso e muitas vezes os pacientes com pouca esperança de sair com vida dali, eles sempre se reuniam depois do expediente para tomar cerveja amanteigada no café da esquina. Ainda não tinha saído com eles. Meus plantões iam até tarde da noite e quando chegavam ao fim tudo que eu queria era ir para casa, tomar banho e desmaiar.

Começava a questionar se tinha mesmo escolhido a profissão certa, até que as coisas começaram a mudar quando fui transferido para o primeiro andar, o andar dos ferimentos provocados por criaturas mágicas...

ººº

- Ian, está pronto para me apresentar o caso? – Laport falou parando ao meu lado
- Er, sim, já estou pronto, acho – ele riu e olhei a ficha – Pierre Bonham, 32, bateu em um prédio comercial ao apostar uma corrida de testrálios e também foi mordido por ele. Está com perda de memória recente, já me perguntou 5 vezes se gosto de voar.
- Certo. E o que precisa fazer?
- Já pedi a enfermeira para trazer a poção de memória, limpar os ferimentos e dar o antítodo, e deixar ele em observação para ver se funciona. E também... – falei antes que ele perguntasse – Reportar ao Ministério para que eles se certifiquem que nenhum trouxa viu três pessoas passarem voando sem nada como suporte
- Muito bom, espere a enfermeira chegar com a poção e mande um aviso ao Ministério
- Sim senhor
- E descubra também o nome dos outros dois que estavam com ele. Se eles estavam voando em uma área comercial cheia de trouxas, o Ministério vai querer saber os nomes
- Certo... – Laport saiu e Pierre puxou a manga do meu jaleco, sorrindo com alguns dentes a menos
- Ei doutor, você gosta de voar?

Sorri cansado para ele e ia responder a mesma coisa pela 6ª vez quando a porta do hospital abriu com violência. Vários Curandeiros cercavam alguns corpos imóveis e tudo que conseguia ver era o rastro de sangue que ficava pelo caminho. Olhei assustado para a cena e vi que os outros estagiários que entraram junto comigo também observavam em transe. Os Curandeiros mais velhos logo começaram a apontar para a gente delegando tarefas e me vi ajudando a imobilizar um dos únicos feridos que estava consciente e se agitava tentando desaparatar.

- Ian, segure as pernas dele, não deixe que ele gire o corpo! – um dos Curandeiros mais velhos berrou e corri para agarrar as pernas do homem
- O que aconteceu?? – falei depois de gaguejar um pouco, olhando aterrorizado
- Lobisomens – o Curandeiro respondeu abatido – Um ataque horrível, pegou a família inteira quando acampavam, era um bando completo
- Alguém morreu? – não conseguia tirar os olhos do homem deitado na maca
- Três pessoas. Todas as outras foram trazidas para cá, e se sobreviverem, vão carregar a maldição – disse conseguindo apagar o homem com uma poção calmante
- IAN, CECILE, VENHAM AQUI, DEPRESSA!

Laport gritou da sala ao lado e corri junto com a outra estagiária até ele. A situação ao lado era mais caótica. Uma mulher grávida gritava desesperada na maca o nome de outra pessoa enquanto os Curandeiros tentavam cuidar dos ferimentos dela. Cecile me olhou apavorada, a mulher parecia estar prestes a dar a luz e estava tão machucada quanto o homem ao lado. Ficamos parados imóveis na porta até que Laport desse outro berro.

- ENTREM RÁPIDO! – ele agitou a varinha para a porta fechar – Preciso que vocês voltem à floresta onde a família foi atacada
- O que?? – falamos ao mesmo tempo – Está louco? Tem lobisomens nela!
- Vocês passaram no teste de aparatação, não passaram? Desaparatem se algum se aproximar! Mas uma criança ficou perdida lá e corre perigo. Se os lobisomens a encontrarem primeiro, ela também se tornará um deles. Ela pode ser o único membro dessa família a não carregar a maldição, mas depende de vocês. Não posso me ausentar!
- Mas...mas... – Cecile tinha lágrima nos olhos – Mas e o bebê? Ele também vai se transformar?
- Não sabemos ainda – Laport pareceu cansado pela primeira vez desde que entrei para o Hospital – Mas se ele sobreviver, é possível...
- GABRIELA! EU QUERO A MINHA FILHA! – a mulher gritou descontrolada e as amarras que a prendiam voaram – Por favor, encontre a minha filha, ela só tem dois anos!
- OK, ok, mas onde eles estavam? – falei tentando me acalmar e Cecile me olhou assustada com a idéia de irmos atrás da menina
- Eles acampavam em Rennes, na única floresta da região. Encontrem a menina!
- Vamos Cecile, anda – agarrei sua mão e sai rebocando ela da sala
- Está louco? Como vamos nos meter numa floresta tomada de lobisomens e sair com vida?
- Confie em mim, tenho uma idéia

((Continua))