quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Os três porquinhos

- Gobineau, vá até o Departamento de Cooperação Internacional em Magia e pegue uns arquivos com o Michaux para mim, por favor. Ele sabe do que se trata...

Antonieta se levantou de imediato e saiu da sala me deixando sozinho com Aléxis Tocqueville, chefe do meu Departamento. Não fosse aquele tom rude e urgente que ele sempre usava para dar ordens, eu o consideraria uma pessoa excepcional. A sala dele era toda ocupada por pôsteres de times de quadribol do mundo inteiro, vários tabuleiros de xadrez e alguns conjuntos de bexigas e snap explosivo. Era inegável a sua paixão por esportes mágicos... Continuei lendo os relatórios sobre a Liga Européia de Quadribol e senti que ele continuava me observando na porta. Levantei a cabeça.

- Quer que eu faça alguma coisa? – perguntei finalmente, me sentindo incomodado com aquele par de olhos me furando. Ele pareceu voltar de um devaneio. Sacudiu os ombros.
- Na verdade, quero sim Stardust. Quero que vá até o correio despachar uma carta para Madame Máxime e uma para Minerva McGonagall. Igor Ivanovich acabou de mandar a lista de como os competidores e voluntários ficarão instalados em Durmstrang. Precisamos dessa mesma lista de Beauxbatons e Hogwarts. – ele disse cético e passou a mão na cabeça parecendo tenso. E depois... Está liberado. Acho que Antonieta e eu podemos cuidar do Departamento hoje. E também, é até pecado se atrasar para um treino de quadribol...

Fiquei desconcertado um minuto antes de concordar. Se ele ao menos olhasse quantas horas ainda eram e se desse conta de que estava muito cedo para me liberar, talvez ele voltasse atrás. Apanhei os envelopes em cima da mesa e sai. Os corredores do Ministério andavam apinhados de bruxos nas últimas semanas. As primeiras Olimpíadas Interescolares estavam deixando o mundo acadêmico bruxo de cabelos em pé. Não era pra menos! Vinte e três escolas de magia reunidas por três semanas competindo esportes geralmente praticados por trouxas era algo bem fora do comum...

Fui até a parte bruxa de Paris e despachei os envelopes. Depois me sentei em um café e me estiquei. Há dias eu não parava um minuto para comer ou ver as pessoas andando. Acordava cedo e ia a Paris, ficava no Ministério até o fim da tarde, desaparatava direto no campo do time, onde tínhamos duas horas de treinos, seguidas... Em poucos dias descobri que Joseph Godoy era muito mais que um capitão rigoroso. Ele era paranóico com a idéia de ganhar todas as competições e os treinos estavam um verdadeiro inferno! Chegava em casa, às vezes experimentava um dos produtos culinários de Patrick, ou ia direto para a cama. Já estava sentindo falta das viagens, festas e bagunças com meus amigos, sentindo falta dos mimos da minha mãe, das broncas do meu pai, da Anne... Viver sozinho não estava se mostrando uma tarefa nada fácil!

Fiquei vagueando uns minutos, até sentir um puxão grotesco no meu braço. Me virei rapidamente me preparando para reclamar e dei de cara com Sávio. Ele estava um pouco mais pálido e magro do que o normal, mas com a mesma expressão bem humorada. Sorri o cumprimentando.

- Posso saber o que está fazendo em Paris? – perguntei quando ele se sentou na mesa.
- Estou procurando um emprego. – então o sorriso desapareceu do rosto dele que adquiriu um ar abatido. – Mas não está sendo nada fácil.
- Pensei que você fosse trabalhar com seu pai na Bulgária!!! Você me disse isso antes de prestarmos o NIEM’s... – Sávio continuou com a mesma expressão seca e concordou.
- Eu realmente ia. Mas muita coisa aconteceu nesse verão... – ele sacudiu a cabeça e sorriu discretamente. – Você tem algum compromisso?
- Não. Meu chefe de Departamento me liberou essa tarde e ainda tenho umas horas até o treino de quadribol. Se for para casa agora, vou entrar em depressão, por que ela provavelmente está uma zona! Então, vai me contando o que aconteceu.
- Bom, voltei para casa depois de ter me formado em Beauxbatons, levado um fora educado da Miyako e prestado os NIEM’s. Então, nas férias aconteceu a coisa mais louca, e a melhor, que poderia ter acontecido para dar um rumo na minha vida. Me apaixonei. Mas dessa vez de verdade. Muito mais forte do que o encanto que eu sentia pela Miyako, sabe? Uma coisa que não conseguia explicar...
- Caramba! Deve ter sido uma coisa realmente forte pra você estar desse jeito arrebatado. – ri e ele devolveu a risada, então voltou sua expressão séria.
- Você não vai acreditar se disser por quem.
- Vindo de você eu acredito em tudo, Sávio... Seu passado te condena, esqueceu?
- Dora Gaster.

Ele disse enfático e eu arregalei os olhos. De repente a idéia de Sávio ter se apaixonado tão bruscamente por Dora me pareceu absurda. Ele riu da minha expressão.

- Eu disse que você não ia acreditar!
- Como foi que isso aconteceu?
- Bom... Como eu disse anteriormente, não consigo explicar. O fato é que Dora foi visitar os avós essas férias, que moram na Bulgária. E certa noite fui a uma festa com alguns amigos de lá, e ela também foi com as primas. Como já nos conhecíamos de Beauxbatons, começamos a conversar e nos beijamos. E depois de alguns dias já estávamos namorando, apaixonados e pronto.

Continuei perplexo. Não consegui imaginar nenhuma das cenas que ele me narrava. Tudo parecia ser bizarro demais...

- Então as coisas começaram a desandar. Nós dois resolvemos assumir o compromisso com nossas famílias sem saber que nossas famílias eram inimigas de muitos e muitos anos! O pai dela ameaçou mandá-la para fora de casa, meu pai me expulsou de casa por minha própria conta, e temos que namorar escondido... Pelo menos até ela se formar e podermos nos casar.
- Ok, deixa ver se entendi. Você, Dora. Namoro. Famílias inimigas. Você expulso de casa. Casamento??? Pelas barbas de Merlin! Quando você disse que tinham acontecido muitas coisas no verão eu pensei que fosse exagero!

Ele sorriu e passou a encarar a mesa. Eu também fiquei em silêncio um momento ainda tentando organizar as idéias...

- Onde você está morando?
- Em uma pensão aqui no centro. Tenho o resto da herança que meu avô me deixou, mas não vai durar muito tempo...
- Bom, então vamos começar mudando esse quadro. Vem morar comigo e com Patrick no País de Gales. O apartamento tem três quartos mesmo. É muito grande para nós dois e nossas bagunças. Acho que ficaria bom com mais alguém e mais algumas bagunças...

Foi a vez de ele me encarar incrédulo e mudo.

- Está falando sério?
- Estou, claro. Você já sabe aparatar, certo? Mesmo que arrume alguma coisa aqui em Paris, não fica difícil morar com a gente... E se dividirmos as despesas, fica mais fácil para todos. Vida de atleta e funcionário público não é fácil também... – falei gozador e rimos. Ele pareceu se animar instantaneamente.
- Samuel, seria maravilhoso! Tem certeza que não tem problema?
- Ta brincando né? Claro que não. Pode se mudar agora mesmo, se quiser... Patrick está ficando realmente bom na cozinha, sabia? Está precisando de novos cobaias para os experimentos.

E foi assim que cinco minutos depois fomos juntos até a pensão onde ele estava hospedado para ele arrumar as malas, e aparatamos para o País de Gales. Sávio deu uma olhada no apartamento e riu das pilhas de roupas e objetos espalhados no chão por todo o lugar.

- Pelo visto Anne não veio te visitar nesses últimos tempos, não é?
- Não mesmo. Acho que ela se recusa a entrar aqui.

Ele jogou as malas no quarto que seria dele e começamos a dar um jeito. As horas passaram rapidamente enquanto conversávamos e eu ia colocando ele por dentro de todas as novidades. Duas horas depois Patrick chegou em casa.

- Samuel? O que você está fazendo em casa hora dessas? Não devia estar trabalhando? – perguntou gritando da sala. Rimos.
- Fui liberado. Vem aqui... Temos novidade.

Patrick chegou até o quarto e parou na porta sem entender. Ficou olhando de mim para Sávio confuso. Então sorriu gentilmente.

- Oi Sávio! Veio nos visitar?
- Não. Ele veio morar conosco! – disse animado dando um soco no braço de Sávio. Ele sorriu para nós. Patrick deixou o queixo cair.
- Sério?
- É, acho que sim... – Sávio disse sem graça.

Ficamos em silêncio um minuto. Então Patrick começou a rir com gosto.

- Bom, quanto mais somos, melhor passamos. É o que eu sempre digo. Seja bem-vindo à zona! – disse abrindo os braços e olhando em volta. Os três riram. – Ah, antes que me esqueça, chegou uma carta para você Samuel... Tem aspecto oficial. Está em cima da sua cabeceira.

Deixando Patrick e Sávio conversando, fui até meu quarto e apanhei o envelope.

‘Prezado Sr.Samuel Berbenott,

Gostaríamos de confirmar a sua ajuda como voluntário nas primeiras Olimpíadas Interescolares. O senhor ficará responsável pela Canoagem, com mais dois voluntários. Os horários das provas estão fixados no verso. Os voluntários serão acomodados nos castelos de Durmstrang, Beauxbatons e Hogwarts em alojamentos próprios, e os locais também estão fixados no verso.

Apresente-se sem atrasos no castelo de Durmstrang no dia 25 de outubro, às 9 horas da manhã para receber maiores instruções e seu crachá.
No mais, agradecemos desde já a sua colaboração e participação...

Henri Michaux
Chefe do Departamento de Cooperação Internacional da Magia
Ministério da Magia da França.’

- Huu, alojamentos próprios! Excelente! – exclamei para mim mesmo. Embora no Ministério estivesse estressante, eu estava contando os dias para o início das Olimpíadas... Já havia conseguido folgas dos treinos e Tocqueville me demitiria se não tivesse me alistado para voluntário. Estava tudo certo.

Patrick apareceu rindo na porta do quarto.

- Já tinha me esquecido o tanto que esse búlgaro era engraçado... Então, novidades? – ele perguntou apontando a cabeça para o envelope na minha mão.
- Olimpíadas... Instruções para os voluntários. Você devia ter se inscrito. Sávio se inscreveu também, ele me disse. Acho que vai ficar responsável por Remo.
- Desculpa Samuca, mas não teria muita paciência em ficar vigiando provas. Já estou um nível acima. Até aprendi a fazer ‘Petit Gateau’ hoje, acredita? Sávio foi até o mercado comprar os ingredientes para fazermos. E vinho. Ele está a fim de encher a cara... Também, não é pra menos! A história dele é quase Romeu e Julieta!!!
- É. Professor Armand ficaria vislumbrado com essa história. – comentei e rimos.
- Você está liberado do treino também? – Patrick consultou o relógio e eu levantei assustado. Tinha perdido a noção do horário.
- Droga! Godoy vai comer meu fígado se chegar atrasado... Tenho cinco minutos... Ok. Até mais tarde! Ah, faça o Sávio se sentir em casa, por favor!
- Até. – ele riu debochado antes de eu sentir meu corpo sendo sugado por um ralo e o apartamento desaparecer de vista...