quarta-feira, 21 de maio de 2008


- Consegue ver? – Dominique sussurrou apertando os olhos
- Sim – respondi me apoiando nos cotovelos e ajustando o binóculo – Estão na sala, ele está tentando fazê-la comer. Cospe nele, anda...
- AH! Eu sabia!

Um estampido alto espantou os passarinhos que estavam pousados nos arbustos e saltamos do meio das folhas com o coração disparado. Bernard estava parado na nossa frente de braços cruzados e um olhar reprovador. Ele olhou para a casa a alguns metros de distancia de onde estávamos e balançou a cabeça com aquele jeito que me lembrava meu avô.

- É isso que faz em seus dias de folga? Espiona a família que está cuidando da Gabriela? – Bernard se virou para Dominique e lhe acertou um tapa – E você ainda ajuda?
- Não sempre, só quando Dominique também está de folga – respondi rindo, mas ele continuou sério
- Você sabe que não pode ir até lá, não é?
- Não, não sabia! É que adoro deitar na terra suja, por isso estou desse lado da rua! – disse irônico
- Por Merlin, Viera está tentando organizar as coisas para que possam entrar com o pedido da guarda dela, não vá complicar as coisas.
- Não estou tentando complicar nada, só queria vê-la um pouco, mesmo que dê longe
- Sei que é ruim, mas se você fizer alguma besteira, pode perder as chances que tem – Bê falou mais calmo e recolhi as coisas do chão – Vamos embora.

Dei uma última olhada na casa onde o homem agora limpava a papinha do rosto e do chão e desaparatamos de volta para nosso apartamento em Paris. Já estava viciado no rosto dela, e era difícil passar um dia sem poder vê-lo, mesmo que de longe...

ººº

O plantão no St. Napoleon estava mais movimentado do que nunca. A todo instante entrava alguma emergência nova e já não estava mais dando conta de atender tantos pacientes ao mesmo tempo sem errar algum diagnostico. Laport tentava ajudar Cecile e eu ao máximo, mas ele também estava ocupado e não podia fazer muita coisa. A coisa estava beirando ao caos e fez Dubois finalmente admitir que precisávamos da ajuda dos plantonistas de folga. Quando o reforço chegou, ele liberava grupos alternados para terem 10 minutos de descanso. Mas não tinha nem se passado 2 minutos que estava deitado no sofá da sala dos curandeiros quando Cecile abriu a porta, acendendo a luz.

- Estou no meu horário de descanso – falei antes que ela me chamasse – Se for o Papa chegando numa maca, peça para ele esperar mais 8 minutos
- Não é o Papa, é a sua namorada. Chegou com o braço cheio de hematomas, achei que quisesse saber...

Ela apagou a luz outra vez e ia fechar a porta, mas com um único salto a alcancei e sai correndo para fora. Ela apontou na direção da sala de exames 3 e abri a porta depressa, assustando tanto Marie quanto Mad, que estava ao lado da cama, e Pascal, o cão de guarda de Dubois que estava cuidando do caso.

- O que aconteceu? – perguntei assustado, me aproximando dela
- Nada grave, calma – Mad se prontificou a explicar – Estávamos testando alguns feitiços de proteção para uma galeria nova do museu e um deles saiu errado
- Parece que torceram seu braço! Como isso é só ‘dar errado’?
- Eu estou cuidando do caso, Renoir – Pascal falou autoritário – Não está em seu horário de descanso? Não deveria estar aqui.
- Vaza, ô capacho – falei espantando ele com a mão – Eu cuido disso!
- Você não tem autoridade para designar alguém de um caso! Só Dubois pode fazer isso. Em segundo caso, o Laport!
- O que está acontecendo aqui? – Laport chegou bem na hora, olhando dele para mim
- Renoir acha que pode impor suas vontades apenas por ser neto do diretor. Está tentando delegar tarefas, e essa não sua função
- Não estou tentando delegar tarefas! – me defendi irritado – Disse apenas que ele podia sair que eu cuidava dela.
- Er... Desculpa interromper a conversa, mas meu braço está doendo! – Marie reclamou e corri até ela
- Quem pegou o caso primeiro? – Pascal levantou a mão obediente e entregou a ficha dela a ele – Então ele cuida da Srtª. Laforêt, Ian. Deixe que Pascal faça seu serviço e se não quer mais desfrutar dos minutos que lhe restam de descanso, pode olhar o senhor com orelhas murchas na sala 7.

Peguei a ficha da mão dele contrariado e sai da sala. Atendi o homem das orelhas e voltei para a sala onde Marie estava. Pascal não me deixaria entrar, então sentei no banco do lado de fora para esperar. Mad saiu quando me viu e sentou ao meu lado.

- Ele é bem metidinho, mas não é um mau curandeiro – falou indicando Pascal com a cabeça
- Ele é um dos melhores estagiários que tem aqui, mas queria cuidar dela. Desde o dia que contei sobre o bebê que não via Marie. Ela me evita, e agora chega aqui machucada.
- Foi um baque pra ela também, mas acho que já está disposta a conversar com você
- Por que acha isso? – perguntei sentando reto no banco, esperançoso
- Porque tem um curandeiro de plantão no Louvre que resolveria isso em 1 minuto, mas ela insistiu que a trouxesse para cá...

Sorri e olhei Marie por trás do vidro. Pascal rabiscava uma receita em um pedaço de papel e a dispensou, com uma atadura no braço. Passou direto por mim e Marie vinha logo atrás, mas parou quando nos viu. Mad levantou depressa e saiu, deixando ela se sentar em seu lugar.

- Está tudo bem? – apontei para seu braço
- Sim, não foi nada demais. Amanhã ele volta ao normal.
- E entre a gente?
- Eu exagerei um pouco, mas é que não esperava por isso.
- Então seja bem vinda ao clube dos que foram pegos de surpresa! – ela riu
- Como está se sentindo agora que sabe que é pai?
- A idéia de que vou servir de modelo para uma criança é assustadora. Eu não sirvo de exemplo nem para mim mesmo!
- Com o tempo você se adapta, vai dar tudo certo. Vamos todos ajudar no que for preciso.
- Estamos bem mesmo?
- Sim, estamos bem.
- Não faz idéia de como senti sua falta
- Também senti a sua
- Quando sair daqui vou encontrar o Viera para ele me explicar como vai funcionar esse processo todo pelo qual vou passar. Quer ir comigo? Depois podemos sair para jantar.
- Claro que vou com você. Vou ficar do seu lado, e prometo que nunca mais vou sair.

Sorri aliviado e a puxei para um beijo demorado. Laport passou por nós dois algum tempo depois jogando 5 fichas em cima de mim e batendo no relógio. Mad também apressou Marie, pois ainda tinham que voltar ao trabalho. Fiquei observando as duas saírem do hospital antes de levantar para atender os pacientes e respirei fundo, começando a ler as fichas. Tudo ia ficar bem agora.