domingo, 21 de setembro de 2008


Maio de 1999

- Vamos repassar tudo – Viera tinha a mão repleta de papéis e tentava fazer com que prestasse atenção – Ian! Pare de olhar para eles, preste atenção em mim.
- Desculpe. Pode falar, estou ouvindo.

Estávamos no tribunal bruxo e o casal que tentava adotar minha filha estava sentado com o advogado deles na mesa ao lado. Era a primeira audiência e Viera começou a repassar comigo tudo que havíamos combinado. A situação era, de longe, favorável a eles, mas eu não ia desistir. O juiz entrou alguns minutos depois e a audiência começou.

Os advogados de ambos os lados falaram e depois tanto eu quanto o casal passamos por uma bateria de perguntas. À medida que o tempo ia passando e aquilo ia se estendendo, ia ficando nervoso. Tinha medo de que no fim, não pudesse levar minha filha para casa. Não ia suportar isso, sabendo da existência dela. O casal também parecia preocupado em perder a causa, pois sabiam que por mais que tivesse muitos pontos a favor, o que contava mais estava do meu lado.

Mais de duas horas depois, o juiz marcou outra audiência para o mês seguinte. Viera juntou os papéis na pasta e esperou até que os outros tivessem saído para falar.

- E então? Quais as minhas chances? Seja sincero!
- Esse juiz preza muito o fator família, é mais favorável a eles por serem casados, terem uma vida estável e tudo mais. Mas você não está sozinho, na próxima audiência vamos trazer seus pais, que se prontificaram a ajudar. E ele também gostou de você estar tão empenhado em obter a guarda dela, então não está nada decidido ainda.
- Viera, se eu não...
- Deixe pra pensar nisso depois. Vamos almoçar? você tem o dia de folga hoje, certo?

Assenti com a cabeça e deixamos o tribunal. Passamos boa parte da tarde em um restaurante no centro de Paris discutindo sobre o que fazer na próxima audiência e do que poderia dar errado para ambos os lados. No fim, estava confiante. Tinha tantas chances quanto eles.

°°°

Junho de 1999

- Advogados, por favor, aproximem-se

Viera se levantou e caminhou até a bancada do juiz com o outro advogado. A 2ª audiência pela guarda da Gabriela já se encaminhava para a 3ª hora e parecia que não chegaríamos a lugar algum. Eles demoraram um tempo conversando em voz baixa e Viera voltou para a mesa.

- Eles querem fazer um acordo sobre a guarda dela – disse incerto, olhando para o advogado que esperava uma resposta
- Acordo? – falei irritado e alto – Ela não é uma mercadoria, não vou negociar a minha filha!
- Foi o que pensei – ele sorriu e voltou até lá, fazendo sinal negativo com a mão

Conversaram mais um tempo e quando retornou para a mesa, o juiz deu um recesso de 30 minutos para continuarmos. Viera ficou dentro do tribunal e sai para tomar um café na lanchonete. Estava pagando quando fui abordado pelo casal Prevost.

- Podemos conversar? Em off? – o homem chamado Pascal falou sério e concordei, indo sentar em uma das mesas com eles
- Não sei o que querem dizer, mas não vou fazer nenhum tipo de acordo e muito menos desistir. Sei que vocês não podem ter filhos, e sinto muito por isso, mas há outras crianças para serem adotadas, e crianças sem pais. Gabriela tem uma família e é com ela que ela vai ficar.
- Nós sabemos, se acalme – ele tornou a falar – É por isso que estamos aqui. Minha mulher e eu conversamos e tomamos uma decisão – ele apertou a mão dela e o que quer que fosse não tinha sido fácil para ela ceder – Nós vamos abrir mão da guarda da Gabriela. Como você disse, ela tem um pai e uma família, não é justo afastá-la disso tudo.
- Estão falando sério? – levantei da mesa surpreso e eles levantaram também – Estão dizendo que...
- Vamos falar com o nosso advogado quando o recesso terminar. Acabou. Você ganhou.
- Isso não era uma competição – disse apertando a mão dele e ele balançou a cabeça em concordância.

Quando voltamos à sala, contei a Viera o que tinha acontecido e alguns minutos depois o advogado deles pediu a palavra, comunicando que eles estavam cedendo a guarda de Gabriela a mim. O juiz encerrou o caso e agradeci a eles, indo abraçar minha mãe em seguida. Saímos do tribunal direto para a casa deles, onde a babá cuidava dela, e a levei para casa. Sua casa. Bernard, Marie, Dominique e todos os meus amigos, avisados por Viera, já nos esperavam no apartamento e fizeram uma grande festa quando cheguei com ela no colo. Não conseguia me lembrar de um dia ter me sentido tão feliz assim.