domingo, 23 de setembro de 2007


Memórias de Samuel Berbenott

SB: Então, o que você achou da Anne? – perguntei para mamãe enquanto ela me ajudava a arrumar a mala. Ela sorriu.
- Se está querendo algum tipo de aprovação, você tem. Ela é bonita, inteligente, educada... Exatamente o tipo de pessoa que sonhei para você. E quem sabe ela consegue enfiar um pouco de juízo nessa sua cabeça, não é?
SB: Já está conseguindo... – ri. Mamãe me encarou rindo também.
- Inacreditável o tempo passar tão rápido. Ontem mesmo estava arrumando sua mala para ir para Beauxbatons a primeira vez. Agora você está indo morar no País de Gales, trabalhar, com namorada e pinta de responsável. – ela fechou a mala e me entregou. – Se cuida.
SB: Vou me cuidar mãe.
- Eu sei que vai. Mas falar mais uma vez nunca é ruim...

Descemos juntos. Anne e papai já nos esperavam com malas prontas na sala. Anne estava passando alguns dias conosco enquanto seus pais haviam ido visitar Thierry, e papai tirara seus primeiros dias de folga depois de muitos anos de trabalho para me acompanhar até o País de Gales. A expectativa de sair de casa ou de Paris ainda me atormentava um pouco, mas em pensar que estava indo me apresentar em um time de quadribol profissional, todas as dúvidas se acabavam e eu me sentia animado com essa idéia...

°°°

Quando chegamos aos alojamentos e estádio do Caerphilly Catapults minha excitação só aumentou. O lugar era imenso. Logo nos portões, estava uma placa em bronze contando da história da fundação em 1402 e as maiores conquistas do time.
Fomos até a administração e um homem encorpado, aparentando ter 30 anos nos recebeu formalmente.

- Imagino que você seja Samuel Berbenott?
SB: Eu mesmo. – estendi a mão e ele apertou. – Muito prazer.
- Igualmente. Sentem-se. – nos sentamos de frente a ele e ele continuou formal. - Meu nome é Joseph Godoy, treinador do time. Então, animado?
SB: Bastante. – disse sincero e ele me avaliou.
- Ótimo, pois nossos treinos serão pesados. Não admito jogadas amadoras, brincadeiras e má vontade. Até por que, quadribol aqui é sua profissão, e tem que ser levado a sério. Teremos treinos todos os dias, das 18:00 às 20:00 horas. Durante o restante do dia, a maioria dos jogadores estudam ou trabalham, mas é importante vir aos treinos bem disposto. Alguma pergunta?
SB: Não. – disse mecanicamente. O homem parecia um robô listando tudo aquilo. Estava fazendo força para compreender cada frase, mas ele recomeçou a falar...
- Pretende morar em nosso alojamento?
- Não. Vamos procurar um apartamento para ele. – papai respondeu por mim e Joseph virou seus olhos para ele e de volta para mim.
- Certo. Aqui está a chave do seu armário no vestiário, seu uniforme e um mapa do nosso alojamento e do nosso campo. Os treinos começam dia 1° de setembro e eu espero você aqui. – Ele me entregou as coisas e se levantou, nos forçando a levantar. Saímos alguns minutos depois e nenhum de nós conseguiu dizer nada.

°°°

O apartamento era razoavelmente grande para mim, mas eu gostei. Era em um bairro tranqüilo e tradicional e ficava perto do estádio. Após arrumarmos toda a burocracia do local, voltamos para Paris para aproveitarmos as últimas semanas de férias. Anne já estava ficando menos intimidada pela minha família com o passar dos dias, o que eu achava ótimo.

AR: Isso não é justo. Não temos nem dois meses de namoro e você já me lança de cara com a sua família?!
SB: Quanto mais cedo você se acostumar, melhor. Que parte do ‘quero me casar com você’ você ainda não entendeu? – ela sorriu e me abraçou.
AR: A parte que você não cita o tempo que isso ainda vai levar até acontecer... Casamento é coisa séria, Samuel.
SB: Bom, leve o tempo que for. Um dia você se casa comigo, e eu estou afirmando isso.

Ela se afastou de mim e se sentou na cama me encarando séria. Me sentei ao seu lado.

SB: Não casa? – perguntei.
AR: Aquele seu treinador... Não gostei dele. – ela mudou de assunto e olhou meu uniforme de listras verdes e vermelhas no armário.
SB: Por que ele é todo sério?
AR: Ele me pareceu estressado. Não dê motivos pra ele se irritar com você.
SB: Se eu sobrevivi à Milenna Dartagnam, ele não pode ser tão difícil. Não precisa se preocupar com isso, ok? Estou indo fazer o que mais gosto de fazer, não tenho por que implicar com meu treinador! E para de mudar de assunto, Anne Renault. Um dia nós vamos nos casar, ou não?
AR: Se eu não me enjoar de você, quem sabe... – ela tornou a virar para mim e sorriu convencida. Levantei a sobrancelha para ela.
SB: Ouse se enjoar de mim, ouse. Você ainda não me viu nervoso.
AR: Huum, agora eu estou com medo. Acho que quero pagar pra ver então!

Ri e a puxei lhe dando um beijo.

°°°

Na última semana de férias, eu já havia feito minha mudança para o apartamento no País de Gales e voltara a Paris para as festas de despedida que tanto minha mãe, quanto os malucos dos meus amigos prepararam para mim (embora eu afirmasse que Paris seria sempre o meu lugar predileto e que voltaria praticamente todos os dias para lá, eles na verdade só queriam um motivo para mais uma festa).
Todos agora se preparavam para começarem os estágios e trabalhos ou para voltarem à Beauxbatons.

No dia 1° de setembro, fui até o porto me despedir de Anne e senti uma sensação estranha ao ver o barco de Beauxbatons desaparecer pela primeira vez sem que eu também tivesse embarcado. Então, fui com Bernard até o apartamento onde ele, Ian e Dominique estavam morando para me despedir uma última vez, e voltei para casa. Mamãe parecia mais aflita do que qualquer um. Pierre e Samara ao contrário, se mostravam animados com a idéia de futuros jogos de campeonatos europeus aos quais eu estivesse participando.
Quando terminava de arrumar as últimas coisas, papai foi até lá e parecia ao mesmo tempo, ansioso e tenso.

- Tudo bem? Está precisando de ajuda?
SB: Não. Só preciso terminar de juntar essas coisas que ficaram... Veio se despedir?
- Também. Mas antes, tenho duas novidades que acho que você vai gostar.

Parei de tirar os pôsteres de times das paredes e o encarei. O que ele teria para me dizer naquele momento?

SB: O que?
- O Departamento de Esportes Mágicos do Ministério está precisando de mais alguém para ajudar, ainda mais nesse começo de ano letivo com as Olimpíadas e eu pensei que talvez você gostaria...
SB: De trabalhar no Ministério? Está falando sério???
- Creio que sim. Já me certifiquei dos horários. Você terá que comparecer ao Ministério somente durante as manhãs, então dá bastante tempo para ir e vir, não dá?

Mas não consegui responder. Uma onda de animação cresceu em mim. A idéia de trabalhar no Ministério da Magia, em Paris, e na seção de esportes era muito melhor do que eu poderia sonhar.

SB: O que eu preciso fazer? Tenho que ir lá antes ou alguma coisa assim?
- Não. Você pode ir lá, mas para começar a trabalhar. A partir de amanhã.
SB: Pode contar comigo!
- Boa sorte. Terá muito trabalho a fazer...
SB: E a segunda novidade?
- Vem até a sala comigo.

Se eu pensei que a primeira novidade já era um tanto quanto animada, a segunda foi muito mais, pois Patrick estava na sala, mas não estava com jeito de que fosse se despedir, até por que ele havia ido a todas as festas. Ele tinha malas ao lado dele e sorria.

PB: Então. Vamos logo para casa?
SB: Do que você está falando? Por que está com essas malas?
PB: Até agora você não entendeu??? Vou morar com você, claro. Achou que ia se livrar de mim tão fácil?
SB: O QUE?
PB: Isso mesmo. Já garanti meu quarto, e não abro mão. País de Gales, aí vou eu!

Encarei ele atônito por pelo menos cinco minutos. Ele estava falando sério?

SB: Posso saber o que vai fazer no País de Gales?
PB: Além de te fazer companhia? Nada. Mas precisava ir morar longe dos meus pais, então decidi. A não ser que você prefira morar sozinho...
SB: Não, claro que não. Mas não estava esperando...
PB: Virei para Paris todos os dias. Me matriculei em um curso de gastronomia, com direito a chapéu e roupa de chef e tudo o mais. *A professora é uma gata, diga-se de passagem*. - Ele sussurrou a última frase e piscou. A idéia de imaginar Patrick cozinhando era bizarra, e parecia que tudo estava doido, mas depois de me lembrar dele conversando em sereiano com a professora Mariska eu percebi que ele estava falando sério. – Então, não vai dizer nada?
SB: Você é mais maluco do que pensava!
PB: Ótimo. Agora podemos ir?

E foi exatamente assim que a minha vida começou a mudar completamente de rumo. Patrick logo se acomodou no apartamento, eu comecei os treinos que eram realmente muito puxados e assumi meu lugar no Ministério, descobrindo o quanto sentia saudades da minha vida em Beauxbatons, tranqüila e calma...

~*~
HOME, SWEET HOME! ;D

sexta-feira, 21 de setembro de 2007


- Ian, nem sabemos se a menina está viva – Cecile segurava meu braço com a mão tremula – Ou se está inteira. Se encontrarmos pedaço de gente aqui, terá que me carregar de volta!
- Ela está viva, sei que está – falei olhando ao redor e apontando a arma para um arbusto que se mexeu – Sinto isso

Desaparatamos do St. Napoleon depois de comunicar à recepcionista para onde íamos e passamos na casa de meus pais, em Marselha. Fui direto até a cabana onde vovô quadrava as armas de caça e peguei duas, enchendo a mochila de balas de prata. Se vamos andar entre lobisomens, é bom estar preparado. De que adianta aparatar antes de encontrar a criança? Não me agradava fazer isso, sei que eles são pessoas e que perdem o controle durante as transformações, mas era o meu que estava na reta.

- O que foi? O que se mexeu? – ela apertou meu braço com força
- Não era nada – abaixei a arma – Se acalma, e fique com a varinha na mão, não sei o que mais tem aqui além de lobisomens

Andamos por mais alguns quilômetros floresta adentro e encontramos o local onde era o acampamento. Estava tudo destruído, e tinha sangue pra todo lado. Um dos mortos ainda estava caído por lá, e tinha o rosto desfigurado. O arbusto perto de onde estava a fogueira se mexeu rápido e um vulto marrom voou na nossa direção. Não pensei duas vezes antes de disparar a arma na direção dele e um lobo imenso caiu morto no chão. Empurrei uma arma para Cecile dizendo para atirar em tudo que se movesse e logo mais dois lobisomens surgiram atraídos pelo barulho dos tiros. Derrubamos os dois antes que eles avançassem, mas percebi que duas armas carregadas com balas de prata talvez não fossem o suficiente se mais viessem.

- Ian, é óbvio que ela não está no chão! Ela está escondida!
- Mas ela só tem dois anos! Pra onde pode ter ido?
- Quando eu era pequena me perdi dos meus pais em um acampamento desses, nossas barracas foram atacadas por centauros. Eu me escondi em cima de uma árvore, e fiquei nela até alguém me encontrar
- Ah ok Cheeta, está sugerindo pular de árvore em árvore até encontrar a menina? Não estou me sentindo como o Tarzan hoje, se não se incomoda!
- Olhe para cima, seu idiota! – ela pisou no meu pé e apontou para o alto

Olhei para cima e vi um par de tênis pendurado em um galho muito alto. Olhei para Cecile espantado, como uma criança de dois anos pode ter subido até lá?
Larguei a mochila no chão com Cecile e comecei a subir na árvore. Confesso que estava um pouco fora de forma, não faço isso desde que era criança, mas consegui chegar até o par de tênis. A dona dele era uma menina loirinha com olhos azuis quase brilhantes. Ela estava sentada encolhida em um tronco mais grosso e apesar do terror que passou e tudo que possivelmente presenciou dali de cima, não aparentava ter chorado.

- Oi – falei sentando ao lado dela – Você é a Gabriela?
- Sim – ela olhou pra mim com uma expressão séria – E você? Quem é?
- Eu sou o Ian – estendi a mão e ela apertou. Segurei-me para não rir com a solenidade daquela menina – Sua mãe pediu pra eu vir buscar você.
- Onde ela está?
- No hospital, junto com seus tios. Como você subiu até aqui?
- Meu papai me deixou aqui, disse que era pra eu ficar bem quietinha e não fazer barulho, que alguém ia vir me buscar depois. Eu não me mexi, nem quando senti vontade de ir ao banheiro.
- Muito bem, então agora vou levar você até eles

Mas nem cheguei a estender a mão para que ela segurasse e começasse a descer comigo. Um estampido alto nos assustou e Cecile apareceu sentada no galho acima do nosso. Ela tinha uma expressão de terror no rosto e não foi preciso dizer o que era. Olhei para baixo e três lobisomens arranhavam o tronco da árvore, tentando subir. Um deles de fato começava a obter sucesso.

- Vamos ter que desaparatar até o hospital – falei com a voz vacilante. O lobisomem já havia alcançado o primeiro nível da árvore – Você já aparatou com alguém antes?
- Não – Cecile respondeu com a voz tensa – Não passei com louvor no teste, pode ser perigoso.
- Bom, eu também nunca fiz isso, mas não há meio de descer e ir a pé, não concorda? – olhei para baixo e engoli seco antes de me virar para Gabriela – Segure em mim com força, ok? Não solte, sob hipótese alguma, entendeu?
- Você vai me levar de volta pra minha mamãe? – ela perguntou me abraçando com força
- Sim. Eu espero – falei baixo antes de me concentrar no hospital e girar o corpo

Senti uma pressão em volta de mim e a floresta desapareceu, dando lugar a um corredor com paredes muito brancas. Procurei por Gabriela e vi que ela ainda estava abraçada a mim, de olhos fechados. Cecile estava no fim do corredor e levantou do chão correndo até mim quando viu que estávamos bem. Logo voltamos ao primeiro andar e Gabriela se atirou nos braços da mãe. Ela já tinha dado a luz ao bebê e vi que ele estava cercado por Curandeiros em uma ala separada. Laport veio até nós quando nos viu.

- Que bom que estão bem. Sinto muito tê-los enviado até lá, mas não havia outra alternativa. Dos estagiários que entraram esse ano, vocês são os únicos capacitados a sair com vida desse tipo de emergência, todos os outros teriam morrido.
- Quando eu me inscrevi para a vaga, não dizia nada sobre correr risco de morrer, Laport – disse tentando soar relaxado, mas não colou
- Eu disse no primeiro dia que o trabalho não seria apenas ficar aqui dentro limpando feridas, mas sempre é tempo de desistir
- O que aconteceu ao bebê? – Cecile falou olhando por cima do ombro de Laport – Ele é um lobisomem também?
- Não sabemos ainda, é muito cedo. Mas se querem minha opinião, infelizmente ele não escapou. A mãe foi infectada, e ele ainda estava ligado a ela pelo cordão umbilical. Demoraram tempo demais para chegarem aqui, o sangue dele foi infectado também.
- Mas um bebê recém-nascido sobrevive a uma transformação? – perguntei alarmado
- Nunca soube de um caso como esses, mas as chances dele são poucas – Laport olhou para o bebê cercado de adultos e suspirou – Podem ir para casa, estão de folga amanhã. Eu ainda preciso ficar, vou acompanhar a mãe e examinar a menina que vocês trouxeram. Boa noite.

Cecile deu um sorriso fraco pra mim e se despediu, sumindo pela porta da sala dos funcionários. Olhei no relógio, eram 2 da manhã. Meu corpo doía, pedia por uma cama confortável e quente, mas não fui embora. Fiquei parado olhando pelo vidro a ala onde os feridos do ataque estavam sendo cuidados, pensativo. Das cinco pessoas sobreviventes, apenas aquela garotinha não havia sido mordida. Seu pai foi atacado e quase dilacerado minutos depois de deixá-la no alto da árvore e ela presenciou tudo. Laport conversava alguma coisa com a mãe dela quando senti meu jaleco sendo puxado. Olhei para baixo e Gabriela estava sorrindo pra mim. Sorri de volta e me abaixei para ficar da altura dela.

- Onde está a sua amiga? – ela perguntou com o mesmo jeito solene
- Foi pra casa descansar. Você está bem?
- Sim. Meu papai foi pro céu e minha mamãe agora vai virar um cachorro grande e mal – ela olhou para o braço arranhado na hora da fuga – E meu irmãozinho também, mas ele não vai ser mal, vou ensinar ele a não morder as pessoas
- É, morder é feio, e você é a irmã mais velha dele, tem que ensinar essas coisas – segurei o braço dela e olhei o arranhão – Onde machucou o braço? Foi um dos cachorros?
- Não – ela sacudiu a cabeça – Papai não deixou ele se aproximar, foi na árvore. Eu não vou virar um cachorro também, vou?
- Não, se eles não machucaram você, você não é uma deles
- Bom. Sou alérgica a pêlo de bicho, tive que doar meu gatinho – não consegui segurar o riso dessa vez e ela me olhou curiosa – Você é engraçado pra um curandeiro
- Acha que sou engraçado? E por quê?
- Porque os outros curandeiros nunca riem, estão sempre sérios. Gostei mais de você.
- Que bom, porque eu também gostei de você
- Eu vou pra casa da vovó quando ela chegar... Posso ver você quando vier visitar minha mamãe e meu irmãozinho?
- Claro que pode! Se não me procurar, vou ficar chateado
- Gabriela! – ouvi a voz de uma senhora no corredor e olhei para trás
- Vovó!

A garotinha saiu correndo e pulou nos braços da senhora. Sorri para ela e caminhei até a sala dos funcionários, decidido a ir para casa descansar. Cecile ainda estava dentro da sala quando entrei, estava de joelhos no sofá olhando por trás da cortina. Ela sentou quando entrei e ficou me encarando com um sorriso esquisito.

- O que foi? Pensei que já estava em casa
- Você tem irmãos menores, Ian?
- Não, sou filho único. Por quê?
- Então você tem muito jeito com crianças... – ela riu e levantou do sofá - Ela gostou de você
- É meu charme natural – brinquei
- Se é charme natural eu não sei, mas sei que você vai ser um ótimo pai
- Eu? Pai? – comecei a rir
- Porque a risada? Não pensa em se casar e ter filhos?
- Casar sim, filhos provavelmente como conseqüência do casamento, mas Marie e eu só temos 17 anos! Posso lhe assegurar que não estamos cogitando essa possibilidade agora
- Não disse agora, mas um dia... – ela sorriu e jogou a mochila nas costas – Nos vemos depois de amanhã, vou aproveitar a folga para dormir o dia inteiro. Boa noite! – e desaparatou

Guardei minhas coisas no meu armário e peguei a mochila, saindo do hospital. Não desaparatei, estava com vontade de caminhar e levei cerca de meia hora para chegar em casa. Dominique e Bernard dormiam pesado quando entrei e me atirei na cama sem nem ao menos trocar de roupa. Dormi no mesmo instante, e sonhei com o nascimento de um bebê loirinho e fortes olhos azuis. Um bebê com feições familiares, mas que quando acordei, não lembrava mais de seu rosto...


Quem foi que disse que ser curandeiro era o trabalho mais gratificante do mundo? Essa pessoa só poderia estar sob o efeito de cogumelos alucinógenos para fazer tal afirmação! Não, não é o trabalho mais gratificante do mundo. Ensinar crianças a arrotar ou uma freira a falar palavrão talvez seja. Ser curandeiro é... Cansativo! Sim, é somente essa a palavra que posso usar para resumir meus dias como estagiário no St. Napoleon.

Se não fosse por Sophie, que já é interna aqui e está quase se formando como Curandeira, teria desistido e me juntado a algum grupo de teatro no fim do 1º dia, logo depois que um homem chegou carregado por três pessoas e tinha erupções por todo o corpo. Além de ter vomitado no meu pé, fui o encarregado de limpar aquelas coisas. Ele ficou internado no 3º andar, onde cuidamos de ferimentos como esses e envenenamentos. Mas graças a Merlin meu primeiro mês foi designado a trabalhar no térreo, onde mexemos com acidentes com artefatos mágicos como explosões de caldeirões, problemas com varinhas, queda de vassouras e essas coisas. Um setor bem mais calmo...

O Curandeiro para quem tinha que fazer relatórios diários e apresentar todos os casos que pegava se chamava Inácio Laport. Ele era legal. Muito brincalhão, mas rígido quando eu e mais quatro estagiários tínhamos que apresentar os casos a ele. Tinha também o vice-diretor, responsável por todos os setores do St. Napoleon, Jacque Dubois. Ele andava pelos setores fiscalizando o trabalho de todos e vinha sempre com um cão de guarda, o inútil e puxa saco do Pascal Dechamps, que se julga importante por ser o braço direito do Dubois. E depois da primeira semana descobri que os Curandeiros e estagiários do St. Napoleon eram animados e muito unidos. Mesmo com o clima sempre tenso e muitas vezes os pacientes com pouca esperança de sair com vida dali, eles sempre se reuniam depois do expediente para tomar cerveja amanteigada no café da esquina. Ainda não tinha saído com eles. Meus plantões iam até tarde da noite e quando chegavam ao fim tudo que eu queria era ir para casa, tomar banho e desmaiar.

Começava a questionar se tinha mesmo escolhido a profissão certa, até que as coisas começaram a mudar quando fui transferido para o primeiro andar, o andar dos ferimentos provocados por criaturas mágicas...

ººº

- Ian, está pronto para me apresentar o caso? – Laport falou parando ao meu lado
- Er, sim, já estou pronto, acho – ele riu e olhei a ficha – Pierre Bonham, 32, bateu em um prédio comercial ao apostar uma corrida de testrálios e também foi mordido por ele. Está com perda de memória recente, já me perguntou 5 vezes se gosto de voar.
- Certo. E o que precisa fazer?
- Já pedi a enfermeira para trazer a poção de memória, limpar os ferimentos e dar o antítodo, e deixar ele em observação para ver se funciona. E também... – falei antes que ele perguntasse – Reportar ao Ministério para que eles se certifiquem que nenhum trouxa viu três pessoas passarem voando sem nada como suporte
- Muito bom, espere a enfermeira chegar com a poção e mande um aviso ao Ministério
- Sim senhor
- E descubra também o nome dos outros dois que estavam com ele. Se eles estavam voando em uma área comercial cheia de trouxas, o Ministério vai querer saber os nomes
- Certo... – Laport saiu e Pierre puxou a manga do meu jaleco, sorrindo com alguns dentes a menos
- Ei doutor, você gosta de voar?

Sorri cansado para ele e ia responder a mesma coisa pela 6ª vez quando a porta do hospital abriu com violência. Vários Curandeiros cercavam alguns corpos imóveis e tudo que conseguia ver era o rastro de sangue que ficava pelo caminho. Olhei assustado para a cena e vi que os outros estagiários que entraram junto comigo também observavam em transe. Os Curandeiros mais velhos logo começaram a apontar para a gente delegando tarefas e me vi ajudando a imobilizar um dos únicos feridos que estava consciente e se agitava tentando desaparatar.

- Ian, segure as pernas dele, não deixe que ele gire o corpo! – um dos Curandeiros mais velhos berrou e corri para agarrar as pernas do homem
- O que aconteceu?? – falei depois de gaguejar um pouco, olhando aterrorizado
- Lobisomens – o Curandeiro respondeu abatido – Um ataque horrível, pegou a família inteira quando acampavam, era um bando completo
- Alguém morreu? – não conseguia tirar os olhos do homem deitado na maca
- Três pessoas. Todas as outras foram trazidas para cá, e se sobreviverem, vão carregar a maldição – disse conseguindo apagar o homem com uma poção calmante
- IAN, CECILE, VENHAM AQUI, DEPRESSA!

Laport gritou da sala ao lado e corri junto com a outra estagiária até ele. A situação ao lado era mais caótica. Uma mulher grávida gritava desesperada na maca o nome de outra pessoa enquanto os Curandeiros tentavam cuidar dos ferimentos dela. Cecile me olhou apavorada, a mulher parecia estar prestes a dar a luz e estava tão machucada quanto o homem ao lado. Ficamos parados imóveis na porta até que Laport desse outro berro.

- ENTREM RÁPIDO! – ele agitou a varinha para a porta fechar – Preciso que vocês voltem à floresta onde a família foi atacada
- O que?? – falamos ao mesmo tempo – Está louco? Tem lobisomens nela!
- Vocês passaram no teste de aparatação, não passaram? Desaparatem se algum se aproximar! Mas uma criança ficou perdida lá e corre perigo. Se os lobisomens a encontrarem primeiro, ela também se tornará um deles. Ela pode ser o único membro dessa família a não carregar a maldição, mas depende de vocês. Não posso me ausentar!
- Mas...mas... – Cecile tinha lágrima nos olhos – Mas e o bebê? Ele também vai se transformar?
- Não sabemos ainda – Laport pareceu cansado pela primeira vez desde que entrei para o Hospital – Mas se ele sobreviver, é possível...
- GABRIELA! EU QUERO A MINHA FILHA! – a mulher gritou descontrolada e as amarras que a prendiam voaram – Por favor, encontre a minha filha, ela só tem dois anos!
- OK, ok, mas onde eles estavam? – falei tentando me acalmar e Cecile me olhou assustada com a idéia de irmos atrás da menina
- Eles acampavam em Rennes, na única floresta da região. Encontrem a menina!
- Vamos Cecile, anda – agarrei sua mão e sai rebocando ela da sala
- Está louco? Como vamos nos meter numa floresta tomada de lobisomens e sair com vida?
- Confie em mim, tenho uma idéia

((Continua))